quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Desde o começo

Por Tatiana Guedes

Fiquei pensando sobre o quê poderia escrever para inaugurar o blog Flamenco Desde Sevilla. Então, simplesmente me dei conta que moro aqui nessa cidade andaluza há não poucos cinco anos e que devagarzinho, sem pressa, poderia contar as tantas historias que experimentei com o flamenco aqui além de dar dicas para quem, como eu, um dia se viciou nessa arte.

Antes de qualquer coisa, queria compartilhar a dimensão da escolha de vir morar aqui do outro lado do oceano.

A minha historia com o flamenco começou em Brasília de maneira despretensiosa. Um dia fui ao cinema assistir ao filme “Zorro”, com Antonio Banderas e Catherine Zeta Jones, no qual aparece uma cena dos dois dançando (que na época pensava inocentemente que se tratava de dança flamenca) e umas semanas depois li uma reportagem no Correio Braziliense sobre o benefício físico de praticar alguma dança, e uma delas era a tal dança flamenca. Eu que sempre dancei na minha vida, passei dez anos da minha existência indo a classes de balé clássico, e depois me aventurei mais três anos pelo balé moderno, já estava me entediando de fazer musculação e hidroginástica, então, fui buscar um lugar para provar o flamenco. Encontrei uma professora em uma academia de dança de salão e lá foi onde tudo começou.

Quem podia imaginar que estaria hoje em território andaluz submergida por essa cultura que é tão próxima e tão distante ao mesmo tempo? Reflito sobre isso porque pode acontecer com qualquer um e de fato acontece.

Aqui em Sevilha, Granada, Jerez, Madri, existem muitíssimas mulheres e homens de não sei quantas nacionalidades, que como eu um dia nunca pensaram que iam estar dançando flamenco todos os dias, escutando flamenco todos os dias, vendo flamenco todos os dias, conhecendo os artistas flamencos mais renomados de perto, freqüentando o mesmo bar que Miguel Poveda ou Farruquito etc. Porque é isso que acontece aqui, pelo menos em Sevilha. É impressionante que regularmente caminhando pela rua, de repente você escuta alguém dentro de um bar cantando, tocando ou bailando. É uma magia, uma experiência única e enriquecedora em todos os sentidos e que até mesmo faz com que o flamenco tome uma ou outra dimensão na vida.

Tem pessoas que vem pra cá e se identificam tanto com esse estilo de vida (porque deixo claro que flamenco é estilo de vida aqui por essas bandas, é definitivamente uma maneira de viver), que no final das contas viram profissionais dessa arte e decidem fazer da Espanha a sua nova casa e tem outras pessoas que, ao contrário, pouco a pouco vão vendo que o flamenco não é tudo na sua vida e assim essa arte vai ocupando outros espaços, vai acalmando, vai diminuindo de importância.

É talvez difícil entender esses dois processos que acontecem com os estrangeiros aqui se o leitor nunca teve um contato mais intensivo e in loco com o flamenco, porque conhecer o flamenco apenas no Brasil, é conhecer talvez a parte estereotipada da arte, é não conhecer a dimensão profunda, enraizada que tem o flamenco para o seu povo andaluz. Dar uma “pataítas de bulerías” aqui é como sambar numa roda de samba no Brasil, simples, relaxado, para brincar um pouco com a música e se divertir na noite. O flamenco está dentro da alma aqui, está na voz rouca do sotaque andaluz, está nos braços fortes das “chiquillas andaluzas”, está na palma da mão, no compás, como dizem.

Viver aqui se torna um processo reflexivo, refletir se vale a pena estar mais tempo, quando é hora de ir, ou se é hora de ficar de vez, surgem os problemas financeiros, conseguir viver do flamenco? Ou trabalhar de garçonete para pagar as classes de flamenco? Muitas vezes submergidos ao extremo, esquecemos de escutar nossa bossa nova, nosso rock, esquecemos do grande Raul Seixas, do Toquinho, do Vila Lobos, da Maria Creuza, e de muitas outras coisas que nos faziam felizes antes do flamenco.

Mas bom, não estou dizendo de maneira alguma que devemos esquecer o flamenco e deixar de aproveitar essa riqueza que está aqui na península ibérica, também não estou dizendo que não se deve encarar o flamenco como uma profissão e conseqüentemente se entregar por completo. Quero só comentar que quando você decide fazer essa viagem, pegar as malas rumo ao aeroporto e decolar em busca de sonhos e prazeres flamencos, tenha certeza que mudará sua vida pra sempre e, por isso, aconselho que desembarque aqui de corpo e alma abertos e com o coração pronto para viver uma aventura profunda e de repente você vai se dar conta que já vive aqui há anos e o flamenco já faz parte de você.

4 comentários:

Anônimo disse...

Só posso mesmo te parabenizar por essa grande experiência de vida na Espanha. E desejar muitas felicidades em sua vida, que, certamente, já teve muitas emoções provocadas pela música e a dança. Quanto ao resto, só resta a você mesmo ouvir profundamente a voz do seu coração. Sucesso com este blog e o projeto Otras Flamencas.

Ana Marzagão disse...

Lindo seu depoimento. E pelo que ouvi de amigos, muito verdadeiro. Boa sorte no seu projeto. E venha divulgá-lo no Brasil. Admiro a coragem dos que enfrentam o desafio.
Um abraço, Ana

Unknown disse...

Tatiana, deu para perceber que ler este blog será uma delícia para nós amantes dessa arte! Parabens pelas conquistas que não devem ser poucas! Bjs. Ana Nicolau

Unknown disse...

Hola Tatiana!
adorei ler sobre sua experiência aí na Espanã.. Possivelmente estarei indo aí em jullo e gostaria de saber como costuma ser a temperatura aí.. é mesmo mto quente? e tbem dicas de locais para roupa flamenca..
abrazo desde Brasil